“Os combustíveis sustentáveis para aviação (SAF) são considerados uma das melhores opções para descarbonizar a indústria da aviação”
Entrevista a Manuel Costeira da Rocha, Director Tecnology Strategy, na Smartenergy, durante os AEDDays 2024.

Para quem não conhece, qual o trabalho desenvolvido pela Smartenergy?
A Smartenergy foi fundada em 2011 em Wollerau, na Suíça. O nosso foco é o investimento em projetos de energia renovável, que contribuam de forma significativa para a descarbonização do meio ambiente.

Estes projetos são estruturados com o propósito de assegurarem os aspetos económicos e financeiros, de forma a remunerar o investimento, condição fundamental para a sua concretização.

Somos uma força motriz na transição contínua da indústria para a energia verde, focada na implantação de projetos solares, eólicos, de hidrogénio verde e combustíveis sintéticos. Estamos convencidos do potencial do hidrogénio e dos seus derivados, como o SAF, para a descarbonização, onde a eletrificação não é possível.

O nosso Head Office esta sediado em Wollerau, e contamos com empresas locais nos mercados em que estamos na Europa, nomeadamente Espanha, Portugal, Itália e Alemanha. O conhecimento local e a proximidade com as partes interessadas da indústria permitem-nos identificar e agilizar o desenvolvimento de melhores oportunidades logo numa fase inicial.

Fundada em 2011, na Suíça, a Smartenergy tem escritórios em Portugal, Espanha, Itália, Alemanha e Emirados Árabes Unidos. A energia renovável é um mercado em expansão?

A descarbonização da economia implica a eletrificação dos processos, que será naturalmente um dinamizador do aumento da procura de eletricidade renovável. Mais ainda, no caso dos setores em que aquela não seja tecnicamente possível ou economicamente viável, perspetiva-se a adoção de combustíveis sustentáveis, obtidos por processos alimentados por eletricidade renovável.

Será desejável que se consiga progressivamente ganhos relevantes em termos de eficiência energética, bem como de eficiência económica no consumo de recursos energéticos. Mas fazendo o balanço global, entendemos que o mercado está em expansão.

Estamos focados nestes mercados, tendo em conta não só os recursos endógenos locais, o que é especialmente relevante nos casos de Portugal e Espanha, como atendendo ao potencial de consumo energético das respetivas economias.

Este potencial ficou, de resto, evidente nos resultados do primeiro leilão do European Hydrogen Bank, que atraiu 132 projetos de 17 países europeus. Foram vencedores 3 projetos localizados em Espanha e 2 localizados em Portugal, com uma capacidade instalada global prevista de 1295 MW.

A solução mais imediata para ter uma aviação mais sustentável passa pela utilização de SAF?

Os combustíveis sustentáveis para aviação (SAF) são considerados, por vários motivos, uma das melhores opções para descarbonizar a indústria da aviação.

Desde logo, por se caracterizarem por emissões de carbono reduzidas em comparação com os combustíveis fósseis convencionais, sendo produzidos a partir de fontes renováveis, como biomassa, resíduos ou algas, ou de forma sintética por processos elétricos.

Uma outra vantagem significativa prende-se com a compatibilidade com a infraestrutura existente. O SAF é o que se chama um “drop in fuel”, que pode ser misturado com combustível de aviação convencional sem exigir grandes modificações nos motores ou na infraestrutura das aeronaves e dos aeroportos. As companhias aéreas podem proceder à transição gradual para SAF sem fazer qualquer alteração nas operações.

É também uma solução que apresenta uma maturidade tecnológica significativa, dado que as tecnologias SAF estão bem estabelecidas e foram testadas em voos comerciais, ainda que continuem os esforços para melhorar a sua eficiência e escalabilidade.

A Smartenergy tem por objetivo vir a produzir eSAF. Qual a diferença entre o eSAF e o SAF?

Como referido anteriormente, o SAF é uma alternativa de baixo carbono ao combustível de aviação convencional, de origem fóssil. É normalmente produzido a partir de matérias-primas biológicas, como óleos usados, gorduras e outras fontes renováveis. O eSAF, que poderíamos chamar de eletrocombustível, é um combustível sintético produzido a partir de eletricidade renovável.

Na produção incluem-se processos elétricos, como a eletrólise da água, para a obtenção de hidrogénio verde, a captura de CO2, e a síntese do hidrogénio com o carbono para a obtenção de combustível sintético. Quer o SAF quer o eSAF são compatíveis com os motores a jato atuais, oferecendo um desempenho semelhante ao dos combustíveis fósseis, mas com emissões reduzidas de CO2.

Atualmente, o SAF é produzido a partir de matérias-primas biológicas, o que encerra um desafio de escalabilidade no futuro. O eSAF é baseado em processos mais fáceis de escalar e replicar, uma vez que depende apenas da disponibilidade de energia renovável em quantidade, a preços convenientes.

Espera-se que os preços de produção de SAF e eSAF possam baixar de forma significativa nos próximos anos, beneficiando dos ganhos de escala.

Que projetos estão a desenvolver, neste momento, em Portugal e na Península Ibérica?

A Smartenergy tem um pipeline de projetos em desenvolvimento que ultrapassa os 12GW de capacidade instalada.

Neste número incluem-se 4 projetos de produção de eSAF, em Portugal e Espanha, cuja capacidade prevista ultrapassa os 1.5 GWe, a que acrescerá a capacidade de produção de energia renovável necessária.

O projeto “Galileu Green H2 Valley”, localizado em Vila Franca de Xira, é o mais avançado e terá uma capacidade de eletrolisador de 550 MWe. Foi distinguido na COP28, em dezembro de 2023, pela produção de hidrogénio sustentável e eSAF.

Quais as características do projeto que levou a esta distinção?

Este projeto da Smartenergy foi distinguido como “Energy Transition Changemaker” na COP28, entre mais de 1000 projetos analisados, graças ao reconhecimento das suas características únicas.

Por um lado, o projeto foca-se na produção de combustíveis sustentáveis para a aviação, contribuindo assim para a descarbonização do setor, considerado como um dos “hard to abate sectors”.

Por outro, inclui a produção de hidrogénio verde a disponibilizar a várias indústrias, também elas de “hard to abate sectors”, nomeadamente a indústria cimenteira, substituindo o gás natural como vetor energético.

Para além disso, e para a produção dos combustíveis sintéticos será captado CO2 emitido pela indústria cimenteira. Ou seja, o projeto promove, por 3 vias, a descarbonização.

A distinção reconheceu igualmente as parcerias estabelecidas com a indústria, nomeadamente com a CIMPOR.

Preveem que, na fase final, os 3 projetos que a Smartenergy está a desenvolver em Portugal, tenham uma capacidade de produção de até 300 k t por ano. Para quando preveem que isto aconteça? Esta capacidade de produção permite abastecer, por exemplo, quantos aviões por ano?

Excelente questão! Se pensarmos na ligação de Lisboa a Frankfurt, em que são consumidas cerca de 5 toneladas de jet num A320, a produção que perspetivamos atingir dará para abastecer 60.000 viagens.

Esperamos que os processos de licenciamento dos projetos decorram de forma expedita nos próximos anos, e que o FID (Final Investment Decision) ocorra até ao final de 2025, de forma a que a produção possa iniciar-se em finais de 2027.

São prazos ambiciosos, estamos bem cientes, mas a urgência da descarbonização deve ser motivação suficiente para todos os atores envolvidos encontrarem as soluções necessárias para os desafios que estes procedimentos encerram.

Como avaliam a participação da Smartenergy na edição deste ano dos AEDDays?

A edição deste ano dos AEDDays suscitou o interesse de vários elementos da nossa equipa, pois proporcionou uma excelente oportunidade para interagir com os principais intervenientes do setor.

O evento foi extremamente proveitoso e muito rico, devendo sublinhar-se o alto-nível das intervenções a que tivemos oportunidade de assistir.

A Smartenergy é um dos principais patrocinadores. Porque resolveram fazê-lo?

A Smartenergy decidiu tornar-se num dos principais patrocinadores dos AEDDays por diversas razões.

Em primeiro lugar, como empresa líder no desenvolvimento de projetos relacionados com derivados de hidrogénio verde para combustíveis sustentáveis na aviação (SAF), vemos esta oportunidade como uma plataforma crucial para dar a conhecer a nossa empresa, a nossa dinâmica e o nosso espírito inovador.

Além disso, queremos destacar o nosso compromisso com a descarbonização do setor aeronáutico e demonstrar como podemos contribuir para alcançar esse objetivo ambicioso.

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