“Podemos fazer o acesso ao espaço a partir de Portugal”
Entrevista a Ricardo Conde, Presidente da Agência Espacial Portuguesa, durante os AEDDays 2024.

Portugal pode aproveitar a sua localização geográfica para dar “um contributo forte” à Europa – a garantia é do presidente da Agência Espacial Portuguesa, numa entrevista realizada durante o primeiro dia dos AEDDays 2024.

No entanto, Ricardo Conde teme que Portugal possa “perder competitividade” com a harmonização das leis espaciais. O responsável da Portugal Space criticou ainda o excesso de regulamentação europeia e o facto de o capital de risco estar demasiado dependente de fundos comunitários.

O que destacaria neste primeiro dia de AEDDays?
Nós vivemos um momento, que é uma encruzilhada. Até há pouco tempo, a nossa principal prioridade estava – e tem de estar sempre – centrada na sustentabilidade, na nossa relação com os recursos – e na perspetiva das coisas piorarem. Neste momento, com a situação geopolítica – e Paulo Portas enfatizou isso muito bem – inverteram-se as prioridades. A questão da segurança passou a ser prioritária. Não há bem-estar sem segurança. A Europa andou muitos anos a tentar manter um modelo talvez muito pacifista – somos todos pacifistas – mas tem de haver sempre alguém que assegure a segurança por nós.

O mundo mudou há cerca de um ano. O discurso de resiliência, a questão das vacinas, das máscaras… Acho que toda a gente teve uma wake up call, toda a gente acordou.

Nós desindustrializámo-nos, corremos o risco de não ter massa crítica, temos uma população extremamente envelhecida. Qual é a posição da UE? Fala-se agora muito de resiliência. Foi neste balanceamento entre sustentabilidade e defesa, que a defesa tomou importância. Porquê? Porque estamos a olhar para a “má vizinhança” que temos, digamos assim, e sentimo-nos ameaçados. Ou seja, é uma reação. A resiliência constrói-se com o tempo, mas nós não temos tempo.

Depois há outra questão extremamente importante, que são os circuitos de decisão. Os EUA são um país, têm um presidente, uma Agência Espacial, um Departamento de Defesa…
A Europa tem 27 estados membros, interesses geopolíticos muito regionais e diferentes, as tomadas de decisão são internas… E agora como é que se constrói uma política de defesa comum?

Nós fizemos o mais difícil: construímos uma política monetária comum. Só foi possível com os visionários daquele tempo. Hoje não conseguiríamos fazer isso. Aquilo que seria, eventualmente, o mais fácil, que era ter uma política de defesa comum, toca nas soberanias, toca no bem comum. Para que é que era necessário ter esta política de defesa comum? Para haver um desenvolvimento tecnológico, para nos colocarmos todos ao mesmo nível.

É possível ter essa política de defesa comum na atual conjuntura?
Diria que sim. A Europa continua a ser o sítio para onde toda a gente quer vir. Mas isto não pode existir sem um forte conceito de defesa. Temos de assegurar essas condições. Senão, a Europa é uma Europa fragmentada. É isso que a tecnologia nos pode trazer. Como é que o espaço, por exemplo, dá uma resposta? Na Europa, temos o know-how, mas tivemos que recorrer aos nossos parceiros internacionais para ter respostas para a situação que temos no terreno.

Foi isso que referiu também na sua intervenção nos AEDDays: o facto de existir um “gap” na Europa em comparação com os EUA – estamos muito dependentes do exterior.
Quando houve a guerra na Ucrânia, a invasão pela Rússia, os estados membros concertaram as políticas para haver sanções. Seguiram mais ou menos todos os mesmos passos.

E a Agência Espacial Europeia, em particular, teve uma quebra de relações com a Rússia. O impacto foi brutal. A primeira coisa que perdemos foi o acesso ao espaço: estamos a desenvolver um lançador, um rocket, e na Guiana Francesa estávamos a contar com a cooperação russa para fazer o acesso ao espaço com os astronautas. Houve esse corte e teve logo uma implicação.

Os bens materiais, como o aço e o alumínio, que importávamos para as fuselagens, missões que foram adiadas… Foi um impacto brutal.

Nesse momento, toda a gente acordou e perguntou “como é que podemos ser mais resilientes?”. Esta conversa da resiliência é muito gira, mas demora muito tempo a construir. Espero que esta ligação entre a defesa e o espaço vá contribuir para acelerar isto.

E em relação a Portugal, concretamente?
Temos de fazer escolhas. Em particular, no campo espacial, gostei da intervenção da senhora secretária de Estado da Defesa. Qual é o potencial de Portugal no espaço? Vamos fazer o que os outros estão a fazer? Não. Vamos olhar para a nossa situação geográfica, para a matriz das nossas competências e ver o que podemos fazer.

Podemos fazer duas coisas para dar um contributo muito forte para a Europa: uma das coisas que podemos fazer é que a nossa situação geográfica – ou localização geográfica – é muito importante no acesso ao espaço. Podemos fazer o acesso ao espaço a partir de Portugal. É uma forma de contribuir para esta resiliência europeia de que tanto se fala, que é a comercialização.

Outro problema da UE foi a institucionalização de tudo: achei muita piada à critica de Paulo Portas sobre o que se faz na Europa: ‘primeiro regulamenta-se e depois há inovação’. Concordo com ele, também considero que deveria ser exatamente o contrário.

Há demasiada regulamentação na UE?
A UE é, muitas vezes, o foco do problema. Dou-lhe um exemplo concreto: há 11 países na Europa que têm lei espacial – Portugal é um deles e fez uma revisão no início do ano para aumentar a competitividade. Agora, a UE quer fazer a harmonização de todas as leis espaciais. O argumento disto é a questão da sustentabilidade do outer space. Mas esta harmonização vai trazer custos àquilo que chamamos de new space economy: vamos perder competitividade.

Porque é que há diferentes leis espaciais nos países? Porque há diferentes localizações geográficas, há diferentes interpretações – por exemplo – sobre as condições de acesso ao espaço…

Talvez possamos comparar com o que existe em relação à pesca, com as Zonas Económicas Exclusivas…
É isso mesmo. Por exemplo, em relação ao lixo espacial: vem aí uma carga de regulamentação. Os EUA deixam o mercado – e eles são muito eficazes nesse aspeto – funcionar numa auto-regulação com um género de uma palavra final a nível governamental. Qual é a consequência? A proliferação de muitas empresas que, como é evidente, sobrepõem-se à capacidade europeia.

Temos um longo caminho a percorrer. Há “savor-faire”, há muito conhecimento, mas há pouco capital de risco – exatamente por sermos muito conservadores.

Na Europa, espera-se que os Governos e a Comissão Europeia avancem. Só depois é que o capital de risco avança. Nos EUA isto não existe. Aliás, a tolerância à falha nos EUA é imensa. O capital de risco nos EUA é tolerante às falhas. A lógica é: o que se falha para se conseguir.

Falta-nos a cultura do risco e a cultura do erro?
Sim, falta. É exatamente isso.

Sem acesso ao espaço, a Europa “vai ficar subjugada”
O presidente da Agência Espacial Portuguesa defende que é necessário adotar “um novo conceito de utilização do espaço a nível militar” para que a Europa não fique ainda mais fragilizada.

Já sobre Portugal, Ricardo Conde salienta a necessidade de aumentar o orçamento para a Defesa e aponta o dedo à “desresponsabilização” do capital de risco que, apesar de estar presente em Portugal, ainda é “tímido”.

Nos AEDDays falou-se também na necessidade de coragem política nesta área que, por vezes, é pouco popular aos olhos da opinião pública. O que falta para tornar esta área mais ‘sexy’ como se dizia, há alguns anos atrás, sobre a indústria do calçado?
E também se diz sobre o espaço hoje, que é uma área sexy. Mas não é uma área sexy só por causa dos astronautas, também é uma área sexy para produzir alguma coisa operacional para a nossa segurança. O resultado está aqui: décadas de desinvestimento.

Veja-se as nossas Forças Armadas, pelas quais eu tenho uma estima enorme e acho que todos temos porque é considerada uma instituição na qual os portugueses confiam. O desinvestimento é brutal, é gritante. Temos algumas áreas das Forças Armadas que não estão operacionais. A consequência disto é o que nos levou agora a acordar para a triste realidade: não temos capacidade de nos defendermos. A ajuda à Ucrânia com as munições é algo que vai retirar capacidade aos países.

Aqueles que pensam que pode haver um modelo social económico sem assegurar a nossa defesa estão rotundamente enganados. Nós precisamos de assegurar o mínimo de condições para termos capacidade de defesa e, no contexto europeu, uma capacidade coletiva. Há uma coisa impressionante que penso que está a correr bem, mas só vai ter resultado daqui a alguns anos: os programas europeus comuns têm de ser suficientemente fortes para evitarem a proliferação de pequenas coisas a nível nacional. Falo, por exemplo, do programa que vem aí, a nível industrial, para estabelecer uma rede de comunicações seguras para todas as instituições, em particular, as Forças Armadas. Não precisamos de fazer investimentos setoriais porque já está lá. Mas só vai produzir efeitos daqui a quatro ou cinco anos.

Acordou-se muito tarde. A rede de navegação, o tal GPS europeu, já está operacional. Por exemplo, nós não temos capacidade para lançar os nossos próprios satélites de navegação. Tivemos que pedir à Falcon 9, há duas semanas, para os lançar. Talvez um novo conceito de utilização do espaço a nível militar. Se a Europa não tem acesso ao espaço, se não conseguir colocar coisas no espaço, não tem capacidade militar no outer space e vai ficar subjugada. É um conjunto destas coisas que nos traz fragilidades. As Forças Armadas, hoje em dia, e a Defesa não são só soldados, é tecnologia também.

É isto que faz falta, é este o “gap”. Sei que é difícil pensar num aumento de 3% do budget para a Defesa. Somos logo impelidos a pensar: de onde vamos retirar? À saúde, às escolas, à segurança, à justiça? Não. Temos de ter maior produtividade para criar exatamente isso e para que os 3% sejam possíveis.

Há uma expressão que diz: ninguém nos vem salvar de nós próprios. Não podemos contar com esta nova geopolítica, em particular com os EUA… Os EUA não vão colocar um soldado aqui a morrer, em território europeu. Acho que essa é a grande lição que nós temos de aprender.

Eventos como o AEDDays podem ajudar a atrair o tal capital de risco?
Ele já está presente. Tímido, mas está presente. Em particular, no espaço, tivemos desenvolvimentos muito interessantes nos últimos dois anos. Posso dizer que, em 2022/2023, tivemos quase 30 milhões de euros em capital de risco. Neste setor, é enorme. É sintomático na Europa. Nós já temos algumas empresas de capital de risco aqui em Portugal, mas, na Europa, não há muitas empresas. Porquê? Porque o capital de risco é exatamente isso que significa: eu entro se houver também investimento próprio ou alheio, externo, ou de terceiros. Aqui espera-se sempre pelos fundos estruturais para entrar uma parte, não o financiamento privado.

O PRR?
O PRR, o 2020, o 2030… Há uma desresponsabilização quase total perante a economia porque alguém, institucionalmente, vai colocar uma parte do investimento. Sobre o PRR, acho que só vão ter sucesso as empresas que já tinham os seus planos, para fazer investimento e, quando veio o PRR, esses 50% de incentivo fizeram toda a diferença porque já tinham um business case forte e são transformacionais. Sobre o restante, tenho muitas dúvidas que se crie esse impacto económico. Gostava, mas tenho dúvidas.

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