Receita dos impostos “verdes” não é utilizada para a sustentabilidade
Os Impostos “Verdes” foi um dos grandes temas abordados nas Sustainable Aviation Talks, no segundo dia dos AEDDays 2024.

Segundo a IATA, existe um excesso de fiscalidade “verde” sobre a aviação, que não está a contribuir para a descarbonização do setor, mas sim, para a redução da dívida pública de diversos países. A produção de combustíveis sustentáveis e a necessidade de tornar a indústria da aviação mais eficiente foram outros dos temas abordados nas Sustainable Aviation Talks, no segundo dia da 11ª edição dos AEDDays, que se realizou no Templo da Poesia, em Oeiras.

“Sem um planeta, pelo que é que vamos lutar?” – na abertura das Sustainable Aviation Talks, o presidente da AED, José Neves, pegou nas palavras do vice-presidente, José Rui Marcelino, referidas no dia anterior, para acrescentar que, na sua opinião, “tanto o ambiente como a defesa são importantes” e que, no que diz respeito à sustentabilidade, “Portugal também pode ter um papel mais relevante neste novo ecossistema”.

Para Ana Vieira Mata, presidente da Autoridade Nacional da Aviação Civil (ANAC), a aviação sustentável “é um imperativo” e só será possível com “um diálogo aberto” e “esforço coletivo”. Na sua apresentação, em que abordou os desafios da aviação sustentável e o papel dos reguladores, Ana Vieira Mata defendeu que a “a utilização de combustíveis sustentáveis é determinante para reduzir as emissões de carbono” e que a grande questão é “ganhar escala e reduzir o custo”. A presidente da ANAC sublinhou que todos os reguladores são “facilitadores” e têm como papel “dar apoio, treino e recursos” para que os vários países da UE possam “desenvolver as suas próprias estratégias de aviação sustentável”.

Ana Vieira Mata destacou ainda a importância dos AEDDays por permitirem à ANAC contactar com vários stakeholders e, dessa forma, poder criar “políticas mais eficientes e inclusivas”: “As apresentações previstas para este dia são muito importantes e os impostos ‘verdes’ são um assunto a abordar com especial cuidado”, advertiu.

Este foi o tema da intervenção de Lígia da Fonseca, Head of Tax Policy da IATA, que começou por questionar “quem paga os impostos ‘verdes’, se contribuem para a aviação e se são realmente ‘verdes’”: “Se, por acaso, não puderem ficar até ao final da apresentação, posso já dizer-vos que a resposta é não”, afirmou Lígia da Fonseca, com sentido de humor.

Para a Head of Tax Policy da IATA, o futuro da aviação passa pela combinação de três fatores: evolução tecnológica, sustentabilidade ambiental e sustentabilidade financeira. E o que estes três fatores têm em comum é que “todos requerem dinheiro”: “Quem vai pagar?”, questiona Lígia da Fonseca. Normalmente, a resposta dos Governos passa por “criar impostos ou aumentar os já existentes”, o que, na sua opinião, é “preocupante” porque já existe “uma proliferação de impostos, taxas e outros custos” que até levou a IATA a criar “um grupo especializado” para acompanhar todas as alterações fiscais nos mais de 6.900 aeroportos e 249 jurisdições que tutela.

Para Lígia da Fonseca, criar impostos sobre “a aviação é uma forma fácil de taxar as pessoas e as companhias aéreas”. Por um lado, os Governos estão “motivados” em criar estes impostos devido ao “enorme” aumento da dívida pública: “Em 2001, a dívida pública das economias mais avançadas rondava os 7% do PIB e agora é 114% do PIB”. Por outro, “taxam uma indústria muito resiliente” e têm “boa aceitação do público”, afirma a Head of Tax Policy da IATA.

Apesar dos impostos “verdes” serem “uma tendência”, Lígia da Fonseca demonstrou, na sua apresentação, que não há um único país no mundo que utilize a receita fiscal “para financiar projetos de sustentabilidade na aviação”. Pelo contrário, são utilizados para “financiar outros tipos de transportes” e “como um instrumento para a ação climática”.

Só em Portugal, a Head of Tax Policy da IATA estima que a receita fiscal proveniente da taxa de carbono atinja entre “1,4 a 2 mil milhões de euros entre 2024 e 2050”, um valor que “não será usado na sustentabilidade, mas que faz muita falta à aviação para poder fazer o processo de descarbonização”.

Durante a sua apresentação nas Sustainable Aviation Talks, Lígia da Fonseca lembrou também que “a aviação teve grandes perdas em 2019, 2020 e 2021” e só “voltou aos lucros em 2022/2023”, sendo “um dos setores com menores margens”: “Em 2023, o lucro das companhias aéreas é equivalente a 5,44 dólares por passageiro. Em Genève, na Suíça, onde trabalho, não consigo pagar um café com 5,44 dólares”.

O financiamento da descarbonização foi também um dos temas abordados por Nikhil Sachdeva

O Global Lead for Aerospace & Aviation Sustainability da Roland Berger, na sua apresentação “Making aviation sustainable”, referiu que, atualmente, a “aviação representa ‘apenas’ 2,6% das emissões globais de carbono, o que é fácil de desvalorizar e dizer que ‘não é assim tanto’”.

No entanto – lembra – “o setor está a crescer rapidamente”: “Muitas partes do mundo estão agora a aprender a voar. Na Índia, todos os dias, cerca de 100 mil pessoas voam pela primeira vez”. Segundo Nikhil Sachdeva, isto quer dizer que o setor da aviação vai ser responsável “por 12 a 18% das emissões globais de carbono em 2050 se as práticas não mudarem”.

O Global Lead for Aerospace & Aviation Sustainability da Roland Berger lembra ainda que o objetivo do Green Deal é atingir emissões zero até 2050 e que isso é “um desafio incrível”. Para esta meta ser atingida, “será necessário utilizar SAF a 100% e, mesmo assim, não é suficiente”: “Precisamos também de um avião revolucionário”, assegura. E volta a afirmar: “Também não chega”.

Tal como explicou, ao longo da sua apresentação, será necessário “começar a utilizar estes aviões mais rápido do que o previsto, sem comprometer a segurança” – o que será “difícil”, uma vez que “ainda nem sabe como vai ser o processo de certificação”, assim como “reconfigurar o controlo aéreo”, “produzir combustíveis sustentáveis” e “adotar novos modelos de negócio” compatíveis com a nova tecnologia: “A IATA estimou que são necessários 4 biliões de dólares para produzir SAT até 2050. A indústria não tem esse dinheiro. A menos que queiramos cobrar aos passageiros das companhias aéreas ou aos contribuintes através dos impostos – o que não me parece uma boa ideia”, sustentou.

O e-SAF “é escalável”, mas é “um problema para os reguladores”

A mudança de combustíveis fósseis para combustíveis baixos em carbono “vai demorar” – a certeza é dada por Manuel Costeira da Rocha, diretor de Tecnologia Estratégica da Smartenergy, que, atualmente, tem em curso quatro projetos de energia renovável: três em Portugal e um em Espanha. Embora acredite que “no futuro, vão existir várias soluções”, o que é possível utilizar hoje em dia é o combustível sustentável (SAF). No entanto, adverte, “o preço é muito elevado quando comparado com os combustíveis fósseis”.

Alexander Kueper, vice-presidente de Renewable Aviation da Neste, também acredita que “os combustíveis sustentáveis vão desempenhar o papel principal” na descarbonização e, por isso, é preciso “acelerar a produção”. No painel “Powering the future of flight”, Francisco José Lucas Ochoa, Head of Sustainable Aviation and Technical Assistance da Repsol, referiu que a empresa tem “cinco refinarias em Espanha e uma em Portugal” e “em três delas” produzem combustível sustentável. Segundo o Head of Sustainable Aviation and Technical Assistance da Repsol, a empresa abriu recentemente, em Cartagena, outra fábrica onde pretendem produzir “mais de 200 mil toneladas de combustível sustentável com óleo de cozinha usado” e até 2025 vai abrir outra “no norte de Espanha” para produzir “eSAF”: “Em 3 anos, prevemos produzir mais de 400 mil toneladas”, afirmou.

A grande aposta da Smartenergy também é o eSAF. Segundo Manuel Costeira da Rocha, “desenvolver combustível sustentável assente em eletricidade é escalável”, no entanto, é “um problema para os reguladores”. Para o diretor de Tecnologia Estratégica da Smartenergy, é necessário “trabalhar em conjunto” com os Governos “para encontrar soluções” porque “o mais importante é salvar o planeta”.

Para além dos combustíveis, a aviação elétrica foi outro dos temas abordados durante as Sustainable Aviation Talks. A Heart Aerospace, uma empresa suíça criada em 2018, está a desenvolver um avião “semelhante a um carro híbrido plug-in”, exemplifica Claudio Camelier, Head of Marketing, Product Strategy and Market Analysis da Heart Aerospace. Este avião poderá “fazer distância curtas, utilizando apenas a bateria armazenada”. Para já, refere, “está a ser desenhado para ter um alcance de 200 quilómetros”, mas, “com a evolução das baterias”, talvez “em 2025, o avião possa ter uma autonomia de 400 quilómetros”.

A sustentabilidade passa também por iniciativas tomadas pelas empresas para tornar os processos e a utilização de produtos mais eficiente: “Estamos a rever todos os itens que colocamos a bordo e estamos a tentar substituir os itens descartáveis por outros que podemos reutilizar”, refere Maria João Calha, diretora de sustentabilidade da TAP. Além disso, “os clientes da classe business também podem escolher a comida antecipadamente, o que reduz bastante o desperdício”.

Também Andreia Ramos, diretora de Sustentabilidade e Ambiente da ANA – Aeroportos de Portugal – referiu que estão a “substituir a iluminação” e a “investir em energias renováveis”: “Em 2022, criamos o primeiro centro fotovoltaico no aeroporto de Faro”, refere. Além disso, implementaram um projeto que, embora pareça residual, tem permitido “poupar muita água por dia”: “No aeroporto do Porto, temos um local onde os passageiros podem encher as suas garrafas de água”. Segundo Andreia Ramos, a ANA está também “a testar a utilização de biocombustíveis”.

Por sua vez, a Boeing está a desenvolver “um projeto de sustentabilidade em conjunto com a NASA” que, segundo Martin Gorricho Genua, Eu Sustainability Policy & Partnership Lead da Boeing, permite “poupanças de combustível na ordem dos 30%”. Já Luciana Ribeiro Monteiro, Sustainability Product Strategy Lead da EmbraerX, refere que a empresa está à procura de oportunidades “disruptivas” e defende que “a sustentabilidade não tem que ser cara”: “O que temos é de encontrar uma forma de incentivar os passageiros a aderir à causa, mesmo que tenham de pagar mais, temos de ser criativos no tipo de produtos e serviços que podemos oferecer-lhes em troca”.

Nas Sustainable Aviation Talks estiveram também presentes outras organizações e empresas do setor AED como a ASD Europe, o Pólo de Inovação em Engenharia de Polímeros (PIEP), Galp, entre outras.

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